Covid-19: números e dados ajudam a entender a imunidade de rebanho

16 de julho de 2020

Atualizado em: 22/12/2023

A ciência estuda as variáveis e as possibilidades dessa estratégia

Se você ficou na dúvida ao ouvir alguém dizer que o isolamento social não funciona e a melhor solução é esperar a imunidade de rebanho, mesmo que cause mortes, esse texto pode ajudar você a refletir. Afinal, essa é uma opção cientificamente viável? O planeta pode superar a doença sem vacina? A Suécia apostou na imunidade coletiva e não realizou lockdown, funcionou? 

A imunidade de rebanho ou coletiva acontece quando a maioria da população desenvolve anticorpos contra uma doença infecciosa e serve de escudo para os que ainda não foram infectados, mantendo a enfermidade sob controle. Há divergências quanto às porcentagens necessárias para imunização, que variam de 60% a 90%, mas se, por exemplo, 80% da população está livre de um vírus, quer dizer que 4 em cada 5 pessoas que encontram alguém infectado não adoecem. 

Como o sarampo, a poliomielite ou varíola, doenças comuns até a metade do século passado, alcançaram a imunidade de rebanho? Graças à distribuição em massa de vacinas e não pelo contágio coletivo. Basta uma queda na adesão às campanhas de vacinação para que elas voltem, como ocorre com o sarampo no Brasil.  Aliás, esta vacina foi a mais rápida a ser produzida em massa na história. O vírus foi identificado em 1953 e a vacina aprovada dez anos depois. A vacina da caxumba foi desenvolvida em tempo menor, mas levou 12 anos para ser liberada. O mundo espera que os pesquisadores superem esse recorde para garantir uma imunização contra o novo coronavírus.  (Gráfico: Poder 360)

Sem vacina, apostar na imunidade coletiva e aguardar que 70% dos brasileiros fiquem infectados pode ser uma catástrofe. Com o grande número de subnotificações, não há uma taxa segura, mas estima-se que entre 0,5% e 1% do infectados morrem. O Brasil precisaria de 146 milhões de infectados para atingir uma suposta imunização, ao custo de 1,46 milhão de falecimentos. 

É importante recordar que a taxa de mortalidade é mais alta entre grupos vulneráveis, como idosos e pessoas com sistema imunológico enfraquecido ou em situação de vulnerabilidade social. Dados do SUS (Sistema Único de Saúde) revelam o perfil médio das pessoas que perderam a vida para o vírus: homens, pobres e negros. “Muitos dizem que estamos no mesmo barco, mas não é assim. Estamos na mesma tempestade, mas alguns estão em transatlânticos, outros em iates, outros em barcos e mesmo em canoas”, afirmou Nísia Trindade Lima, presidente da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz).

Como a imunidade funciona?

Há mais variáveis que descartam essa estratégia. A relação do SARS-cov-2 com nosso corpo ainda não é totalmente conhecida. Sabe-se que ataca os pulmões principalmente, mas há registros de problemas cardíacos, neurológicos e renais. Também não se compreende como a imunidade funciona, se a presença de anticorpos significa que não haverá uma nova infecção ou quanto tempo a pessoa ficará protegida. Não há consenso científico de quando uma pessoa curada deixa de ser uma fonte de disseminação.

Se essa estratégia fosse adotada, quanto tempo levaria para alcançar uma imunidade coletiva? Um longo período. Um estudo espanhol sobre imunização publicado na revista Lancet, apontou que apenas 5% da população local desenvolveu anticorpos contra Covid-19 desde o início da pandemia no país, no final de janeiro. “Qualquer abordagem proposta para alcançar a imunidade do rebanho através de infecções naturais não é apenas altamente antiética, mas também inatingível”, afirmaram os autores do estudo, Isabella Eckerle, chefe do Centro de doenças Virais Emergentes de Genebra, e Benjamin Meyer, virologista da Universidade de Genebra.

O estudo também aponta que a imunidade pode ter curta duração, sobretudo entre pessoas que nunca desenvolveram sintomas. Catorze por cento das pessoas que testaram positivo para anticorpos no primeiro estágio testaram negativo no último. “A imunidade pode ser incompleta, pode ser transitória, pode durar apenas um curto período de tempo e desaparecer”, disse Raquel Yotti, diretora do Instituto de Saúde Carlos III da Espanha.

No Brasil o número de casos e mortes cresce exponencialmente, e os estados registram diferentes estágios de imunização. Pesquisa da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) com mais de 30 mil testagens em 133 municípios apontou que as cidades têm na média 2,6% da população com anticorpos.  Boa Vista, capital de Roraima, seria a cidade com maior imunidade de rebanho, com 25,4% dos testados com anticorpos. Belém tinha 16,9%; Fortaleza, 15,6%; Rio de Janeiro, 7,5% e São Paulo, 3%. 

O caso sueco

Diferentemente dos outros países europeus, a Suécia decidiu não realizar o lockdown e manteve escolas, comércio e todos os outros serviços funcionando, apostando em políticas de prevenção e o apoio da população ao distanciamento social. Foi eficaz durante um período, e o país foi celebrado como exemplo para enfrentar a epidemia sem devastar a economia. Em maio, Anders Tegnell, epidemiologista do governo da Suécia, afirmou ao Financial Times que “no outono, haverá uma segunda onda. A Suécia terá um alto nível de imunidade e o número de casos provavelmente será bastante baixo”. 

Entretanto, atualmente a taxa de mortalidade da Covid-19 na Suécia é uma das mais altas do mundo, similar a Espanha e Itália, assim como a taxa de contágio. São mais de 5 mil mortes para uma população de 10 milhões habitantes. Para Anders Tegnell, “as tendências de imunidade têm sido surpreendentemente lentas. É difícil explicar”. Uma pesquisa em 50 mil testagens demonstrou que 14% dos habitantes de Estocolmo têm anticorpos para a Covid-19. O governo abriu uma investigação sobre os impactos das políticas contra a pandemia.

Infelizmente, ainda pairam muito mais perguntas do que respostas à Covid-19. Somente uma vacina eficaz, produzida e distribuída para todo mundo, pode excluir a pandemia de nossas rotinas. Será necessário um enorme esforço de governos e populações para manter o distanciamento social nesse período. As taxas de contaminação devem oscilar e as cidades irão impor regras mais rigorosas de isolamento quando os índices aumentarem e flexibilização quando diminuírem, um entra-e-sai de quarentenas, já que é impossível fechar a economia indefinidamente. 

Especialistas apontam que as melhores medidas no momento são uma política de testagem, rastreamento e isolamento de infectados conduzida pelos sistemas de saúde. E o mais importante: as pessoas agirem com responsabilidade no dia a dia para tentar manter o vírus sob controle.

Fonte da foto de capa: Fundo vetor criado por Harryarts – br.freepik.com


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