‘Precisamos mudar a educação para ser compatível com a nova matemática’, diz professor de Stanford

19 de maio de 2020

Atualizado em: 22/12/2023

Jo Boaler conversa com o matemático Keith Devlin, de Stanford, sobre a necessidade de atualizar o ensino da disciplina

Até a informática, cada matemático era um computador que precisava fazer cálculos com precisão e velocidade. Com essas máquinas, os matemáticos se transformaram em maestros, que regem uma sinfonia de programas para realizar seu trabalho, que ainda depende da criatividade. É o que pensa Keith Devlin, diretor do Instituto de Pesquisas em Ciências Humanas e Tecnologias Avançadas da Universidade Stanford (EUA). Em um bate-papo com Jo Boaler, professora de Faculdade de Educação da mesma instituição, eles conversam sobre as mudanças na matemática e a necessidade de atualizar o ensino da disciplina.

O vídeo, A Natureza da Matemática no século 21, está disponível no Youcubed. Devlin, um matemático que publicou 34 livros, conta que lançou o site Projeto de Extensão em Matemática da Universidade Stanford (SUMOP, em inglês), como uma plataforma complementar ao Youcubed, em que compartilha ideias e informações sobre a matemática do século 21. Seu objetivo é aproximar professores e alunos da matemática praticada nas universidades e no mercado de trabalho. Com 50 anos de carreira profissional, Devlin passou os últimos 25 trabalhando em empresas do Vale do Silício e no departamento de Defesa dos EUA.

Jo Boaler e Keith Devlin conversam sobre matemática no século 21 em vídeo disponível no Youcubed.

“Houve uma drástica mudança na matemática no final dos anos 80. Houve uma revolução tecnológica que mudou completamente a forma como a matemática é feita. Os especialistas sabem disso, mas fora da área, ninguém sabe. A matemática nesses lugares é totalmente diferente da matemática que as crianças aprendem na escola. Precisamos mudar nossa educação para ser compatível com isso.”  

Ele compara essa mudança fazendo uma relação entre a matemática e a música. Antigamente, o matemático teria que aprender todos os instrumentos de uma orquestra. O instrumento algébrico, o instrumento geométrico, aritmético, da trigonometria. Depois dos anos 1980, os computadores realizam todos os procedimentos matemáticos com mais rapidez que os humanos. Enquanto temos dificuldades com mais de três variáveis em uma equação, um programa resolve uma equação com um milhão de variáveis. “Por isso, ser um matemático hoje não é saber tocar todos os instrumentos, é reger uma orquestra”. 

Entretanto, faz uma ressalva. “Você pode ser um maestro sem saber tocar alguns instrumentos? Não. Você pode ser um maestro sem ser especialista em um instrumento? Também não. Precisa saber o que cada instrumento é capaz, quais suas limitações e como combiná-los para fazer um bom som.” Essa seria a matemática atual exigida pelo mercado de trabalho. Um profissional que além de conhecer a teoria, usa as ferramentas disponíveis de forma produtiva e segura. 

Nesse modelo, você precisa de novas habilidades. E quais são as ferramentas de um matemático hoje em dia? Devlin lista as suas: fazer buscas no Google (“onde tenho que usar as palavras certas para uma busca efetiva e isso não é óbvio”); ver artigos na Wikipedia (“as páginas de matemática são excelentes”); pedir ajuda às pessoas por e-mail; assistir à aulas no Youtube; consultar o site Wolfram Alpha; que responde qualquer pergunta procedimental de matemática. “Passei seis anos estudando um procedimento que agora tenho à disposição gratuitamente no celular”. Mas quando precisa ser criativo, porque essas ferramentas só mostram parte do caminho, tudo o que necessita é lápis e papel. “Essas são as ferramentas do matemático em qualquer equipe de trabalho.”

O sonho de Jo Boaler e a razão de seu trabalho é mudar o ensino de matemática nas escolas. “É a matemática do desempenho, crianças aprendem a repetir e memorizar métodos e são avaliadas pelo resultados certos e a velocidade com que repetem esses métodos.” Ela defende a liberdade matemática, em que são oferecidos desafios ricos e abertos para as crianças refletirem e debateram como resolvê-los. Só depois dessa prática o professor apresentaria os métodos como conhecemos. “Isso é totalmente diferente, porque a criança tem que usar a criatividade para criar seu próprio método”, explica.

Devlin concorda. “Os computadores têm a precisão, têm a velocidade. O que nós precisamos é da compreensão.” O matemático recorda que até a década de 1950, eram as pessoas que faziam os cálculos. Tanto que “pessoa” era sinônimo de “computador”. Nos anos 60, com as calculadoras, isso já mudou bastante e certos algoritmos clássicos se tornaram irrelevantes. Ele acredita que em vez de memorização, é imprescindível ter fluência com senso numérico para conhecer os procedimentos. 

Jo Boaler apresenta uma pesquisa realizada com 72 estudantes de 7 a 13 anos, divididos em três grupos de desempenho: alto, médio e baixo. Os alunos resolveram um teste com cálculos, como 7 +19, e os pesquisadores perceberam quatro diferentes tipos de estratégia. Na primeira, as crianças contaram os números de um a um, na segunda contaram um a um a partir de 7. Algumas tinham decorado o resultado e outras usaram o senso numérico, isto é, usaram a flexibilidade dos números para chegar ao resultado mais facilmente, como 6+20, por exemplo. A pesquisa apontou que a maioria dos alunos de alto desempenho tem senso numérico, exatamente o oposto dos alunos de baixo desempenho. 

O resultado ressalta, segundo Boaler, a relevância da atividade Conversas Numéricas, do Youcubed, que busca justamente desenvolver o senso numérico e a flexibilidade dos números. De quantas formas podemos calcular 18×5? Durante essa atividade as crianças se surpreendem com as possibilidades apresentadas e ainda descobrem que podem manipular os números com liberdade, o que pensavam não ser permitido, pois nas escolas só se aprende a calcular de uma maneira. “Os alunos de baixo desempenho não sabem menos, apenas pensam que não é permitido flexibilizar os números”, avalia Boaler. 

“Nossa sociedade cresceu com a ideia de que as pessoas deveriam ser computadores. Para fazer cálculos antigamente, você contratava pessoas, e elas eram treinadas como calculadoras obedientes. Os sistemas de ensino se desenvolveram a partir pensamento” afirma Devlin. Em sua minha infância, eu era considerado o pior aluno de matemática por, em vez de ser rápido, tentar ver a matemática de forma criativa. Pensando nisso, o matemático desenvolveu o aplicativo para celulares e tablets Wuzzit Trouble, que incentiva o senso numérico, a flexibilidade e a criatividade – o uso é pago, mas é possível conhecê-lo gratuitamente por 30 dias.


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