‘Temos que formar o pedagogo sob a ótica da sala de aula, afirma Ryon Braga

25 de setembro de 2020

Atualizado em: 22/12/2023

Webinar discutiu o impacto dos rótulos ‘exatas’ e ‘humanas’ no ensino

Você certamente já escutou: “ela é boa em humanas” ou “ele é bom em exatas”. Esses estereótipos estão na nossa sociedade, nas escolas e universidades, e impactam profundamente os alunos. “Um ensino que integre conhecimentos de humanas e exatas resultará em uma pedagogia mais equitativa”, afirmou Cláudia Siqueira, diretora do Instituto Sidarta, no webinar Exatas + Humanas = Pedagogia Equilibrada, na quarta-feira (23), no Facebook do Mentalidades Matemáticas.

Quarto encontro da série “E a matemática com isso?”, iniciativa do Instituto Sidarta, em parceria com o Itaú Social e apoio do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA), o webinar também contou com Nádia Moya, coordenadora pedagógica da Escola Estadual Henrique Dumont Villares (SP), e com Ryon Braga, reitor do Centro Universitário UniAmérica. A mediação foi da jornalista da BBC News Brasil Paula Adamo Idoeta. 

Rótulos são feitos para produtos, não para as pessoas”, afirma Cláudia. Para ela, os estudantes que chegam à escola são simplesmente crianças curiosas. O rótulo é uma construção do ambiente escolar, que fortalece os meninos para exatas e as meninas para humanas. “Quem disse que o aluno não pode ter boas experiências em ambas as áreas? Temos múltiplas inteligências e precisamos incentivá-las.”

Essa dicotomia entre exatas e humanas esvazia o debate sobre a construção do saber científico e ofusca a necessidade de integrá-las, acredita a educadora. É uma caricata separação que está se tornando tóxica, trazendo uma imagem errada sobre o papel de cada uma delas. Uma discussão que precisa ser urgentemente debatida no ambiente escolar. 

Cláudia aponta que existe uma distância entre o que universidade propõe no curso de pedagogia e a vivência dentro de sala de aula. Ela recorda que, ao perguntar a uma professora qual foi sua sensação no primeiro dia de trabalho, ouviu que foi um tsunami e não se sentia pronta para sala de aula. “Existe um cânion entre o que se estuda na universidade, entre o mundo acadêmico, e o que a gente vive todos os dias nas escolas.”

Nádia Moya concorda com essa avaliação. “A cada ano recebemos professores muito fragilizados, principalmente para o ensino de matemática.” Diferente do que acontece durante o letramento em português, onde há investigação e reflexão cuidadosa. “Não temos isso na matemática, ensinamos que 2+2=4 e ponto final.” Nádia afirma que os docentes relatam relações traumáticas com a disciplina e estudam pedagogia por acreditar que o ensino é mais fácil no ciclo básico.

Letramento matemático é a capacidade de formular, empregar e interpretar a matemática em uma série de contextos, utilizar conceitos, procedimentos, fatos, para descrever explicar e prever fenômenos. Cláudia alerta que não há um curso sobre o tema na formação de professores polivalentes – o que está garantido na BNCC. Assim, a criança decora mas não compreende os conceitos da disciplina “Quando vamos alterar as políticas para o letramento matemático para séries iniciais nesse país?”, questiona.

Essa dicotomia entre exatas e humanas é parte da trajetória de Ryon Braga. Como gostava de matemática na escola, fez uma faculdade na área. Entrou em engenharia, mas queria lidar com pessoas. Foi para a medicina, mas não teve uma aula sobre gente, só sobre doenças. Estudou psicologia, mas ao cursar uma pós-graduação em neuropedagogia, encontrou sua vocação. “Tenho a possibilidade de ajudar a transformar as pessoas. O engenheiro ou o médico não conseguem, mas o educador sim.” 

Ao trabalhar como consultor em instituições de ensino, percebeu que o conhecimento matemático e o raciocínio lógico estavam distantes dos educadores. Para aproximá-los, Ryon fala que é preciso uma mudança de mentalidade para desmistificar a ideia de que algumas pessoas têm talento em matemática e outras não.

Outra questão é aprender o raciocínio lógico efetivamente. “Estudando neurociência entendi que o conhecimento matemático começa do concreto para o abstrato. E as escolas começam a ensinar o abstrato.” Ele considera que a maioria dos livros didáticos traz fórmulas em que aluno não entende a aplicação. Ao invés de começar com um problema do mundo real, privilegiam a memorização.

No Centro Universitário UniAmérica, Ryon implementou estratégias para mudar essa realidade. Uma delas foi introduzir uma aprendizagem baseada em projetos que desenvolvam outras habilidades relacionadas à matemática, como a música ou psicomotricidade. Um ensino que contextualize a disciplina, começando pela sua aplicação na realidade e não pela equação. “Temos que mudar todo o curso de pedagogia, formar o pedagogo sob a ótica de sala de aula, sem ser tão acadêmico”, afirma. 

“O papel do professor é cada vez mais desafiador, precisamos criar um ambiente saudável e estimulador, em que o convívio social promova interação e equidade”, aponta Nádia. Ela ressalta a importância das parcerias de suas escola com algumas entidades como o Instituto Sidarta e o Programa Mentalidades Matemáticas, que ocorre desde 2017, pois essas ações beneficiam professores, alunos e a comunidade.

Professora na escola desde 1999 e coordenadora desde 2014, Nádia comemora os resultados positivos alcançado pelo Programa Mentalidades Matemáticas. “Ficamos admirados como, em pouco tempo, a criança consegue aprender e não ter medo da matemática. Transformou o ecossistema da escola, o olhar do professor, estabeleceu uma relação recíproca com os alunos”, a partir de uma matemática aberta, criativa e visual, em que os erros fazem parte do processo. 

“Se a criança mudou é porque o professor mudou também”, diz. A parceria inclui uma formação continuada com os professores em que são debatidas dúvidas, conquistas e os impactos das atividades. Os docentes passam a ser mediadores de conhecimento, buscando boas perguntas e reflexões para as atividades, incentivando a participação e respeitando o ritmo de aprendizagem. Além disso, aplicam atividades desafiadoras, pois acreditam no potencial dos estudantes.

As crianças são protagonistas de sua aprendizagem, ganham confiança e autonomia e veem os colegas como aliados do conhecimento, aprendendo que todos somos seres matemáticas. “Os alunos ficam felizes quando chego com as provas. Nunca vi, eu rezava o Pai Nosso nesses momentos. Isso é uma leveza, não há mais ansiedade”, comemora Nádia.

O próximo webinar da série “E a matemática com isso?” vai debater políticas públicas e educação matemática. Será outro debate imperdível no Facebook do Mentalidades Matemáticas, marcado para 21 de outubro. Perdeu os últimos webinários? Basta entrar no nosso canal do Youtube. Clique aqui e confira todas as edições.


Mentalidades Matemáticas

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