A matemática foi descoberta ou inventada?

09 de abril de 2020

Atualizado em: 22/12/2023

Pergunta divide matemáticos ao longo dos séculos

A matemática foi descoberta na natureza, isto é, ela existe independentemente das pessoas ou é uma espetacular criação de nosso cérebro? Afinal, deciframos seus códigos e padrões ou criamos seus conceitos para explicar o mundo? Linguagem do Universo ou teoria humana? Essas dúvidas atravessam os séculos. E não existe resposta definitiva.

A youtuber Julia Jaccoud, a Matemaníaca, resolveu fazer a pergunta a especialistas no assunto. Para o ganhador da medalha Fields em 2014, Artur Avila a resposta é simples: “foi descoberta”. Opinião divergente da de John Bush, professor do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachussets). “Quando você olha uma flor, descobre matemática. Mas isso é a natureza, e nós criamos a linguagem matemática.”

Marcelo Viana, diretor-geral do IMPA (Instituto de Matemática Pura e Aplicada), é categórico: foi descoberta. “São como as estátuas inacabadas de Michelangelo, em que o artista parece estar arrancando-as da pedra, a matemática é isso, ela é arrancada de onde ela está, já está lá.” Para o senegalês Khadim War, parte foi descoberta, parte inventada. 

Mas seria possível chegar a um consenso?

A questão é filosófica e percorre diferentes correntes de pensamento. Pitágoras, do famoso teorema, no século 5 A.C. defendeu que a matemática havia sido descoberta. Segundo ele, “os números governam o mundo” ou “tudo é número”: representam a ordem e a harmonia e são a essência de todas as coisas. Seguindo esta linha, o platonismo diz que os objetos matemáticos são reais, eternos, imutáveis, independem do pensamento humano e têm existência fora do tempo ou da matéria. Euclides, pai da geometria, acreditava que a natureza era a manifestação física das leis matemáticas.

Um dos argumentos usado por aqueles que acreditam que a disciplina foi descoberta é o fato de um matemático criar uma teoria e anos depois esta ser descoberta na natureza. É o caso da sequência de Fibonacci. No século 12, o italiano Leonardo Fibonacci criou uma sequência de números infinita que pode começar com zero ou 1. Os números seguintes são a soma dos números anteriores: 0,1,1,2,3,5,8,13,21,34,55…. Esses números ao quadrado, levados à geometria, transformam-se em uma espiral perfeita – conhecida como a proporção áurea. Anos depois, perceberam que essa sequência se encontrava na natureza: em sementes de girassol, na concha de caramujos, no rabo de camaleão. A sequência já estava na natureza antes de o homem inventá-la. 

A sequência de Fibonacci transforma-se em uma espiral perfeita encontrada na natureza, como na concha de caramujos.

Argumentos que os adeptos ao ficcionalismo preferem deixar de lado. “Para lidar com a realidade, você inventa objetos abstratos que preservam algumas propriedades do que existe, mas não outras. Aristóteles dizia que os objetos matemáticos eram criados a partir dos objetos físicos quando se abstraíam deles certas propriedades e se mantinham outras. Esta é uma forma de invenção baseada no que existe de fato”, explica o matemático Roberto Imbuzeiro, do IMPA.

Para o formalismo, a matemática é um jogo de manipulação de fórmulas que joga de acordo com certas regras. Estas podem mudar de acordo com o contexto histórico. Deste ponto de vista, a humanidade inventou as peças, o tabuleiro, tudo, em um profundo jogo filosófico. O alemão David Hilbert, um de seus expoentes, passou sua vida tentando estabelecer a matemática como uma construção lógica.

“No meio do caminho, há várias correntes que sugerem que a matemática, ou uma fração dela, vem da realidade, e outra parte é inventada. Uma declaração famosa de Leopold Kronecker, professor de matemática do século 19 na Alemanha, se encaixa nessa linha: ‘Deus criou os números naturais. Todo o restante é obra do homem’”, destaca Imbuzeiro. 

Para responder à questão filosófica sobre as origens dessa ciência, o matemático e divulgador científico Rogério Martins, do canal Isto é matemática brinca. “Se um dia um marciano chegar aqui e trouxer a mesma matemática que nós temos, quer dizer que ela é descoberta, porque ele descobriu o mesmo que nós a partir da natureza. Se ele trouxer uma matemática diferente, quer dizer que ela é inventada.” 

Matemática é uma ciência baseada no estudo de padrões

No livro The Science of Patterns (A ciência dos padrões), matemático da Universidade Stanford Keith Devlin diz que o coração da matemática é a busca dos padrões. E eles estão tanto na natureza como em invenções humanas. Jo Boaler, professora da Faculdade de Educação da também de Stanford e cofundadora do Youcubed, concorda e afirma que “toda matemática é a busca por padrões”. No vídeo Padrões, Boaler explica a sequência de Fibonacci e também mostra outros exemplos da matemática na natureza, como os flocos de neve. Ela também sugere um exercício usando o famoso Triângulo de Pascal. Clique aqui para acessar a atividade.

Batizado em homenagem ao matemático francês Blaise Pascal, que viveu no século 18, é um triângulo numérico infinito formado por números binominais. Pascal deu nome ao triângulo, mas há registros de estudos anteriores na Índia, Grécia, Itália e Alemanha. E na China, é conhecido como triângulo de Yang Hui, matemático do século 13. Polêmicas à parte, o interessante é usar esse triângulo para estimular os alunos a criarem os próprios padrões e compartilharem suas experiências. 

“Em nosso experimento, eles passaram algum tempo tentando encontrar seus próprios padrões e realmente gostaram de descobri-los. Uma boa maneira de terminar a aula é pedir que mostrem os diferentes padrões. Descobrimos que ficaram fascinados com os padrões uns dos outros e que muitos queriam levar seu triângulo para casa e mostrá-lo aos pais para estudá-los mais a fundo”, afirma Boaler.

Buscando padrões, os alunos se sentem pequenos matemáticos e se encantam com a possibilidade de descobrir coisas novas. Inventada ou descoberta, não importa, a matemática é mesmo fascinante. 


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