Como funciona a matemática dos bebês
Atualizado em: 22/12/2023
Pesquisadora de Harvard mostrou que formas, quantidades aproximadas e contato humano criam o senso numérico antes da linguagem
Ainda que nunca tenha visto uma lousa sequer na vida e ainda vá demorar para pagar suas contas, um bebê já tem noções bastante interessantes e surpreendentes de matemática. É na primeira infância que o senso numérico começa a ser formado, antes mesmo que as primeiras palavras sejam balbuciadas.
Elizabeth Spelke, psicóloga e pesquisadora de estudos do desenvolvimento em Harvard, é uma das pessoas que mais estudaram como a cognição das crianças se forma. Desde a década de 1980, ela se dedica a entender como se conectam os bloquinhos de raciocínio de quem ainda está descobrindo o mundo.
Seus estudos mais recentes mostram que as crianças muito pequenas já distinguem mudanças de forma e ângulo em figuras desenhadas. A partir dos gestos que observam, desenvolvem senso de geometria.
Tudo, segundo ela, está conectado profundamente à interação humana. “Por 30 anos, dei objetos para que os bebês segurassem, ou os girei numa sala para ver como se orientam, quando o que eles realmente queriam fazer era interagir com outras pessoas”, disse, em entrevista ao New York Times, em 2012.
Aos seis meses de idade, segundo uma pesquisa sua de 2000, as crianças já tinham noção da diferença entre alguma quantidade e seu dobro – sabiam que 16 é maior que 8, mas ficavam confusos com o 12. “As capacidades de representar a numerosidade aproximada encontradas em animais adultos e humanos evidentemente se desenvolvem em bebês humanos antes da linguagem e da contagem simbólica”, escreveu.
Imagens cerebrais que ela estudou já mostravam que as crianças muito pequenas já tinham noções de aproximação matemática. A aritmética exata, diz o estudo, depende muito da linguagem, que os bebês ainda não desenvolveram.
O senso espacial, que depende basicamente do desenvolvimento da visão, é a primeira pista disso. Uma pesquisa de 2009 mostra que recém-nascidos já percebiam espacialmente a diferença entre conjuntos pequenos e grandes de objetos. Não tendo desenvolvido a linguagem ainda, não tinham como atribuir números, mas há maneiras criativas de fazer isso.
Spelke e suas colaboradoras Véronique Izard, Coralie Sann e Arlette Streri fizeram testes usando sons e objetos. Sequências de doze sons curtos (“tu-tu-tu-tu-tu-tu-tu-tu-tu-tu-tu-tu”) eram contrastadas a sequências de quatro sons longos (“tuuuu tuuuu tuuuu tuuuu”), enquanto lhes eram mostradas imagens com números semelhantes ou diferentes de objetos. Segundo as autoras, as crianças olhavam por mais tempo para as imagens com número semelhante de bolinhas ou triângulos.
Vigorosa defensora da capacidade igual de homens e mulheres para fazer ciência, Spelke não foge dos grandes debates.
Em 2005, quando o neurocientista Stephen Pinker defendeu que havia diferenças biológicas que explicavam a falta de mulheres em departamentos científicas de universidades, coube a ela fazer o contraponto.
Segundo Spelke, tudo o que as evidências apontam é que há oportunidades desiguais nas carreiras científicas, que acabam por excluir pesquisadoras. Além disso, percepções sociais enviesadas nos primeiros anos de vida acabam por não mostrar às meninas que elas também fazem ciência.
O último slide de sua apresentação era uma foto sua com seus orientandos. Apenas três eram homens.