‘É preciso inspirar as meninas para seguirem carreiras em exatas’, diz Ana Camargo

26 de junho de 2020

Atualizado em: 22/12/2023

Webinar “Matemática e Gênero na mesma equação” debateu equidade no ensino

A relação da professora Juliana Nascimento com a matemática é similar à de muitas mulheres. Estudante apaixonada ao começar o Ensino Fundamental, se distanciou da disciplina durante os anos escolares e acabou se sentindo insegura na carreira profissional: “como é que vou ensinar se eu preciso aprender?”. Professora do Ensino Básico da Escola Estadual Henrique Dumont Villares (SP), Juliana compartilhou sua história no webinar “Matemática e Gênero na mesma equação”, promovido pelo Instituto Sidarta, nesta quarta-feira (24), no Facebook do Mentalidades Matemáticas. O encontro virtual também contou com a participação de Sandra Unbehaum, coordenadora do Departamento de Pesquisas Educacionais da Fundação Carlos Chagas, e de Ana Camargo, Gerente de Projetos no Ismart (Instituto Social para Motivar, Apoiar e Reconhecer Talentos).

Mediado pela jornalista Sabine Righetti, coordenadora da Agência Bori e pesquisadora do Labjor-Unicamp, o debate faz parte da série de webinários “E a matemática com isso?”, uma iniciativa do Instituto Sidarta com apoio do Itaú Social que tem como objetivo provocar reflexões sobre a matemática presente em diferentes fóruns sociais e seus impactos na sociedade. O encontro desta quarta-feira abordou a desigualdade de gênero nas ciências exatas e debateu formas de resolver essa equação ainda no Ensino Básico com a adoção de práticas inclusivas.

No debate, Juliana contou que na faculdade seus professores reproduziram o mesmo tipo de ensino que a afastou da disciplina ainda na escola. “Durante boa parte da minha vida me senti na matemática como um pato fora da água.” Ela conta que essa relação mudou somente após participar das formações do Programa Mentalidades Matemáticas. “Eu voltei a ser aquela aluna do 3º ano, a criança curiosa que acreditava em si mesma”, diz 

Sabine Righetti destacou que a literatura acadêmica reforça ser comum para a maioria das mulheres a experiência negativa de Juliana. E essa realidade aparece nos números: metade da produção científica no Brasil é feita por mulheres, mas elas são minoria nas áreas de exatas. 

A equidade de gênero não é uma questão restrita à escola ou às famílias, mas a todos os espaços de socialização das meninas, onde recebem mensagens negativas e rótulos de comportamentos e expectativas. São nesses lugares que se constituem como sujeitos e constroem ideias sobre si mesmas. “Isso fica natural, a menina nem se dá conta porque não escolhe as áreas de exatas. Sem perceber afunila suas opções, pois ao longo dos anos vão recebendo essas mensagens sutis, que depois são muito danosas”, afirmou Ana Camargo.

Sandra Unbehaum citou como exemplo uma loja de brinquedos onde as seções das meninas são cor de rosa: a complexidade dos jogos é diferente, não há um laboratório de ciências e o raciocínio não é estimulado. “São pequenas coisas no cotidiano, ao longo da nossa vida, que tendem a influenciar as escolhas que teremos no futuro”, avalia. Sabine Righetti lembrou também de uma visita a uma loja de chocolates que oferecia doces com forma de dinossauros para os meninos e bolsas e sapatos para meninas. “O tempo todo recebemos estímulos que nos colocam o que é nosso e o que não é.”

Sandra observa que é preciso evitar generalizações. O bom desempenho no período escolar não se repete na inserção do mercado de trabalho para a maioria das mulheres. Mas os obstáculos são distintos para meninas e mulheres negras, lésbicas, trans, indígenas ou portadoras de deficiência. A equidade no ensino e as políticas públicas devem atentar-se a essas diferenças.

E ainda há a barreira econômica, aponta Sandra, que durante o seminário “Elas nas Exatas” apresentou a pesquisa “Elas nas Ciências: um estudo para a equidade de gênero no Ensino Médio”. “Uma jovem de periferia com interesse em uma carreira como a engenharia ou medicina escuta que esse não é o seu lugar. Além disso, ela tem a urgência de terminar os estudos e ingressar no mercado de trabalho para sobreviver. Isso vai desestimulando-a”, relata.

Iniciativas pela equidade

Há muitas iniciativas sociais, grupos de mulheres e propostas inovadoras em educação dispostas a transformar essa realidade. Ao longo do webinar, o público participou intensamente nos comentários e muitos divulgaram perfis no Instagram que debatem o tema da desigualdade de gênero nas exatas. Sabine destacou essas contribuições e ainda divulgou outras iniciativas, como @uma_jovem_matematica (que criou a hashtag #calculecomoumagarota), @supercientistas, @amatemaníaca, @meninasvelozes e @históriasdamatematica.

“É preciso inspirar as mulheres a seguirem carreiras em exatas”, diz Ana Camargo, que apresentou dados do Ismart, entidade em que atua que concede bolsas de estudo na Educação Básica e no Ensino Superior. Vale destacar que nos último três anos, dos 200 alunos que concluíram o Ensino Médio, 50% eram meninas e a outra metade meninos. Mas apenas 28% das meninas escolhiam carreira em exatas, em 2017.

“Desenhamos um plano de intervenção com um foco em modelos, fazendo uma ponte entre os alunos e os profissionais do mercado. Para falar das engenharias, trouxemos mulheres com uma trajetória interessante. Na área de TI (Tecnologia da Informação), predominantemente masculina, fizemos o mesmo. Falaram programadoras e engenheiras da computação”, detalhou Ana.

Em 2018, passaram a oferecer um curso de literacia digital com aulas de programação no Ensino Médio. Para que as alunas se inscrevessem no mínimo na mesma proporção que os alunos, tiveram que mudar a estratégia de divulgação: a entidade lançou um vídeo de uma engenheira da computação convidando as garotas a participarem dessa experiência. “Começamos a ter uma intencionalidade para incentivar as alunas, fazer com que elas também considerassem as exatas, para desconstruir essa crença”. A iniciativa já apresenta bons resultados. Em 2018, 32% das meninas escolheram carreiras nessa área, e em 2019 esse número chegou a 36%.

Para Juliana Nascimento, nenhuma das formações que participou é comparável ao Programa Mentalidades Matemáticas. A experiência deu um novo sentido à sua prática em sala de aula, e ela sentiu-se novamente capaz. “Através das mensagens de mentalidades, percebi que a matemática não é velocidade. O bom aluno não é o que responde rápido, mas o que tem profundidade”, explicou Juliana.

A mensagem mais impactante foi a relação com o erro, que deixa de ser negativo para se transformar em uma importante ferramenta no processo de aprendizagem. Os alunos incorporam a ideia de que o erro e o esforço são positivos para o desenvolvimento do cérebro, que produz mais sinapses e conexões. “Uma atividade como as conversas numéricas faz todos sentindo para as crianças. Produz engajamento, empodera e induz os alunos a participarem, terem voz”, afirmou. 

Juliana aprecia a proposta de um professor mediador de conhecimento, que cultiva um ambiente seguro e constrói com os alunos uma comunidade de aprendizagem. “Nós, professores, precisamos ouvi-los, ouvi-los e ouvi-los”, ressalta. Ela sugere que os docentes arrisquem e tentem mudar sua prática, pois o mundo está em mudança constante, como confirmam esses tempos de pandemia, que obrigaram uma radical alteração em suas rotinas. Seu objetivo é fazer dos alunos cidadãos argumentadores, que sabem o valor de sua opinião.

Formação de professores 

O grande desafio é levar para os professores uma formação adequada sobre as questões de gênero e raça, que apesar de já estarem no currículo, Sandra reconhece que somente a criação de uma lei assegurou sua inserção. Ela acredita que esses temas ainda carregam uma série de mitos e confusões que impedem maior relevância nas formações e compreensão dos professores, tanto na teoria quanto na prática em sala de aula. 

Ela reafirma que o tema de equidade de gênero e raça não pode ficar restrito à área de humanas. Essa discussão precisa chegar às licenciaturas de exatas. E sugere a utilização de dados, como os do SARESP (Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de São Paulo) como ferramenta para discussão, para a escola entender e analisar as diferenças entre meninas e meninos. “Isso poderia impedir a naturalização desse rótulo de que menina não é boa de matemática”, prevê. 

Entretanto, as participantes são cautelosas ao apontar as responsabilidades dos professores nesse processo. É necessário transformar a prática em sala de aula, mas sem esquecer que esses profissionais também foram socializados entre desigualdades. “É um olhar para as sutilezas do dia a dia, do  professor verificar o que está naturalizado. Será que ele dá mais espaço para os meninos do que as meninas? A gente é fruto desse olhar. Precisamos estar atento para desconstruir rótulos”, diz Ana.

A equidade no ensino não é somente uma tarefa dos professores e pais para superar a desigualdade infringida às meninas. É necessário trazer homens e meninos para essa discussão e reconhecer positivamente quando os meninos apoiam as meninas nesse processo. “Esses meninos também tem que aprender que há lugar para todos, que há mulheres na ciência, para que ele possa adquirir uma outra visão da sociedade”, diz Sandra Unbehaum. Os setores mais inovadores do mundo, já reconhecem a importância da diversidade humana como um ativo. Resta agora, levar este conhecimento para ações cotidianas que promovam maior equidade em todas as dimensões da sociedade.

Assista ao webinar completo:

 


Mentalidades Matemáticas

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