Quem faz tranças faz matemática!

05 de janeiro de 2024

Atualizado em: 08/01/2024

Pesquisadora e trançadeira, Luane Bento investiga relação dos penteados com noções matemáticas e com a ancestralidade

Você sabia que quando olha para belos cabelos trançados está vendo ali também o uso de conceitos matemáticos? Além de promover autoestima a cada novo estilo experimentado nas cabeças, as tranças são fonte de renda para muitas mulheres negras das periferias brasileiras. Pensando apenas nesse lado financeiro, já é possível introduzir matemática na conversa. Mas, segundo Luane Bento, a própria feitura dos penteados também envolve noções práticas dessa área do conhecimento.

Mulher negra, nascida e criada em Niterói, no Rio de Janeiro, Luane não se via como uma pessoa boa em matemática na época da escola –  como tantas outras pessoas. Ela até tentou fugir da disciplina. Quando concluiu a educação básica, resolveu fazer o curso de Ciências Sociais. A tradição familiar de trançar cabelos era a sua principal fonte de renda durante a graduação. Por conta disso, a percepção de mulheres negras sobre os seus cabelos acabou sendo, também, o seu primeiro objeto de estudo.

Luane trançava os cabelos das bonecas para que ficassem parecidos com os seus. Foto: Reprodução/Documentário Memórias Trançadas

Certo dia, pediu ajuda a uma amiga, também trançadeira, para reproduzir um penteado com tranças que havia visto na cantora estadunidense Alicia Keys. Enquanto ouvia a explicação, a magia aconteceu: Luane percebeu toda a matemática que havia na confecção das tranças. “Foi tipo um ‘eureka!’”, brinca. Pouco tempo depois, estava iniciando uma especialização em etnomatemática.

Atualmente, Luane é doutora em Ciências Sociais. Atua na educação básica e é professora de Didática e Prática e Ensino de Ciências Sociais, na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Já ministrou também a disciplina Relações Étnico-raciais na Escola. Além disso, trabalha em espaços não-formais, promovendo o ensino de conhecimentos matemáticos a partir da arte dos trançados.

“Conforme fui estudando, percebi que sabia muita matemática. Está em tudo, mas a forma com que ela é colocada na escola faz parecer que não”, afirma Luane. A educadora enxergou nas tranças uma oportunidade de promover uma experiência diferente para os estudantes. Até o seu momento “eureka”, ela nunca tinha imaginado que os conhecimentos das suas ancestrais poderiam ser utilizados para ensinar matemática. “Percebi uma possibilidade de aplicação da (Lei) 10.639 a partir de algo tão importante para nós, afrodiaspóricos, que é a cabeça e o cabelo”, lembra Luane.

A Lei nº 10.639 foi sancionada em 2003 e torna obrigatório nas escolas de educação básica brasileiras o ensino da história e cultura afro-brasileiras. Em 2008, a Lei nº 11.645 adicionou à pauta a memória dos povos indígenas. “Quem trança sabe muita matemática, só que isso não aparece na escola. Para fazer determinados trançados, são necessárias noções de formas geométricas, proporcionalidade, simetria. As trancistas sabem disso”. A matemática se tornou interessante para Luane quando foi possível traçar uma relação da disciplina com a sua cultura e ela acredita que pode reproduzir esse efeito nas salas de aula.

Trecho da dissertação de Luane ilustra o feixe de paralelas aplicado nas tranças. Foto: Reprodução

A pesquisadora tem se dedicado a investigar e disseminar esse tema. Quando está dando aulas de Didática e Prática de Ensino de Ciências Sociais, por exemplo, mostra que é possível ensinar assuntos como progressão aritmética, operações básicas e feixe de paralelas a partir da arte dos trançados. Outro resultado de seu trabalho foi o curta-metragem Memórias Trançadas, disponível no YouTube. O filme explora a presença das tranças em diferentes gerações da família de Luane.

“Quero promover um processo de desconstrução do olhar sobre os conhecimentos africanos, que ainda são colocados de forma estereotipada. Quero que esse corpo negro seja um lugar de representação do conhecimento. Nele, produzimos conhecimento e arte”, afirma. A dissertação de mestrado de Luane, intitulada “Para Além da Estética: Uma Abordagem Etnomatemática para a Cultura de Trançar Cabelos nos Grupos Afro-brasileiros”, acaba de completar dez anos de publicação. Fica a recomendação de leitura!

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